O que podemos esperar da realização de uma COP na Amazônia

[Texto assinado por Hannah Balieiro* e originalmente publicado no site da Nexo Jornal]

Com Belém na disputa para sediar a COP 30, a sociedade civil precisa estar próxima aos processos decisórios para conter o greenwashing das conferências e garantir melhorias nas cidades da Amazônia

A última Conferência das Partes sobre as Mudanças Climáticas aconteceu em novembro de 2022 em Sharm El Sheikh no Egito. A COP27 contou com três espaços de participação brasileira no evento, algo inédito para o Brasil e não usual para a maioria dos países, que costumam contar com apenas um espaço oficial, deixando evidente o cenário de polarização política do país.

Os espaços foram: o hub do governo federal, apoiado por organizações ligadas à agricultura, pecuária e indústria; o Brazil Climate Action Hub, construído pela sociedade civil brasileira; e por último, novidade em COPs, o espaço do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, liderado pelo governador do estado do Pará, Helder Barbalho.

A convite do próprio presidente do Egito, Abdul Fatah Khalil Al-Sisi, e também de Helder Barbalho, o Brasil foi protagonista na COP27 com a presença de Lula. Gostaria de destacar algumas cartas que foram entregues no momento da COP, porque essas sumarizam anseios da sociedade civil para esse momento de “o Brasil está de volta” na política climática.

Para o presidente Lula, foram entregues uma carta solicitando a criação de um Conselho Nacional de Juventudes pela Ação Climática e outra solicitando aprovação e efetividade de diversas medidas de adaptação às mudanças climáticas. O Governador Helder Barbalho recebeu outro texto solicitando a criação de um Conselho de Juventudes no Consórcio Interestadual da Amazônia Legal. Essas cartas contam uma história, para além da representatividade, sobre a necessidade de participação política efetiva daqueles que têm sofrido as consequências da crise climática.

Helder já aproveitou a presença do presidente no espaço do Consórcio para provocar a realização da COP30 em uma cidade da Amazônia, provocação que foi bem recebida pelo presidente, e no retorno ao Brasil, foi articulada com o GT de transição através do prefeito de Belém, Edmilson. Na quarta (11), o Itamaraty formalizou o pedido para que a cidade entre na disputa para sediar a COP30 em 2025.

TAMBÉM É NECESSÁRIO OUVIR A HISTÓRIA QUE A AMAZÔNIA TEM A CONTAR, A PARTIR DESSE HOLOFOTE E DESSA POSSIBILIDADE DE COP DA AMAZÔNIA, POIS CARREGAMOS UMA HISTÓRIA DE RELAÇÃO PERIFÉRICA COM O BRASIL, MARCADA POR AUSÊNCIAS DE AMPARO PÚBLICO E DA FALTA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS PROCESSOS DECISÓRIOS.

Nós que vivenciamos a realidade da região, e temos presenciado o crescente greenwashing das COPs queremos saber se iremos mascarar que somos a região que produz 26% da energia hidrelétrica do brasil, e que vive em crise energética, causando situações como o apagão do Amapá em 2020. Com 9 das 11 cidades que mais emitem carbono no país por conta de desmatamento e queimadas, de acordo com dados do Sistema de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Somos a região com a maior bacia hidrográfica do planeta, e que despeja seu esgoto não tratado nela por conta da péssima cobertura de saneamento básico. A região que a cada ano bate recorde de cheias, deixando famílias desabrigadas sem planos de redução para riscos e desastres.

O prefeito Edmilson colocou como justificativa a estrutura de Belém como embasamento para receber a COP30, mas em 2020, Belém ficou entre as cinco capitais brasileiras com os piores indicadores no Programa de Cidades Sustentáveis. E amarga posições de altas taxas de homicídio por arma de fogo, piores taxas de esgoto tratado, e inclusive de óbitos causados pelas condições precárias de saneamento. Essas informações estão presentes na pesquisa Amazônia Legal Urbana da cidade de Belém, que pede por revisão do plano diretor, com um olhar atento às desigualdades raciais e de gênero. Logo, é uma cidade que precisa olhar para dentro antes de se abrir para o mundo.

Para nós fica o questionamento se a COP da Amazônia vai ser a continuação do greenwashing das conferências, onde é possível encontrar mais Coca Cola do que água no deserto, como foi a COP27. Precisamos que esta seja a possibilidade de pensar em pessoas e qualidade de vida como um indicador para medir o sucesso ou fracasso das políticas climáticas. Além de estarmos prontos para cobrar que sejam implementados de fato os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, não só em Belém, mas também nas demais cidades da Amazônia. Precisamos estar atentos para que a participação popular seja efetiva na terra cabanagem.

A realidade da Amazônia, é a realidade do racismo ambiental e da injustiça climática, e para nós não adianta as máscaras que têm sido colocadas sobre as COPS. Para finalizar, compartilho um trecho da música Belém Pará Brasil, da banda Mosaico de Ravena, pois há tempos estamos fartos que nossas casas sejam tratadas como commodities, então “quem quiser, venha ver, mas só um de cada vez, não queremos nossos jacarés tropeçando em vocês”.

*Hannah Balieiro é jovem, mulher, preta e amazônida, bióloga de formação, atual diretora executiva do Instituto Mapinguari, e educadora popular ativando debates climáticos em comunidades tradicionais e cidades da Amazônia.