Estudo aponta que as mudanças climáticas na cidade de Cuiabá têm impacto sobre mulheres Negras e homens Negros
A pesquisa de análise socioespacial das mudanças climáticas nas cidades da Amazônia Legal considera que as condições infraestrutura urbana impacta em desigualdades a população da capital mato-grossense
A pesquisa sobre desigualdades e dimensões das mudanças do clima no espaço urbano de Cuiabá é o destaque mais recente do Projeto Amazônia Legal Urbana – Análises Socioespaciais de Mudanças Climáticas. No próximo dia 16 de março (quarta-feira), às 10h (horário de Brasília) e às 9h (horário de Cuiabá), a equipe do projeto lança o Caderno Iyaleta Vol. 02, reunindo uma série de dados e resultados que apontam, como a segregação racial urbana vem sendo normatizada nas diretrizes do Plano Diretor e como a infraestrutura urbana pautada pela economia agroindustrial tem impacto de curto prazo na bacia do Rio Cuiabá com erosividade e degradação ambiental.
O projeto é uma realização da confluência de pesquisadoras IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades, em parceria com o Instituto Mídia Étnica (IME) e com apoio institucional do Instituto Clima e Sociedade (iCS). A pesquisa integra uma série de análises que o projeto vem realizando desde fevereiro de 2021, sendo Cuiabá, o sétimo município dentre as nove cidades que formam o território político-administrativo da Amazônia Legal. O lançamento do Caderno Iyaleta Vol. 02 vai ocorrer durante o webinário “Mudanças Climáticas na Amazônia Legal Urbana: Cuiabá (Mato Grosso)”, no canal do YouTube, no dia 16 de março, às 10h.
No estudo as “Dimensões e Impactos das Mudanças do Clima na Cidade Desigual de Cuiabá (Mato Grosso)”, a equipe traça um panorama análitico sobre o estado do Mato Grosso, cruzando dados sociodemográficos e das condições de saúde com as escalas das dimensões de mudanças climáticas. O estado mato-grossense, observado a partir do cenário da produção agroindustrial, apresenta um quadro de crescimento econômico que o coloca na liderança como maior produtor nacional de grãos e de soja do Brasil. No entanto, quando o panorama mato-grossense é observado na perspectiva do ordenamento territorial e ambiental, os impactos causados pelo crescimento econômico afetam diretamente os povos no território com conflitos pela terra, degradação de ecossistemas e aumento das vulnerabilidades de sua população frente às mudanças climáticas.
“As questões sobre eventos climáticos extremos nas áreas agroindustriais e os efeitos irreversíveis na sociobiodiversidade, são importantes na interdependência entre cidades e florestas, pois os impactos das mudanças drásticas do clima no campo têm reflexo no urbano e vice-versa”, destaca a equipe de pesquisa no Caderno Iyaleta Vol. 02.
Sobre a pesquisa de Cuiabá – Mato Grosso
O estudo realizado evidenciou, a partir do levantamento de dados sociodemográficos públicos, que Cuiabá apresenta uma população total de 551.098 pessoas, nas quais mais da metade (51,15%) eram mulheres, 65,29% se autodeclaravam Negras (soma de pretas e pardas), sendo quase 100% da população residente em área urbana. Além disso, Cuiabá está entre as capitais classificadas como sendo de média vulnerabilidade social, com IVS de 0,261, e um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,785.
De acordo com as evidências levantadas, identificou-se que mulheres negras e homens negros na capital mato-grossense refletem as piores condições de inserção social, representando a segregação racial do espaço urbano, o que condiciona as suas trajetórias sociais e humanas, com acesso restrito a direitos fundamentais, como a inserção no mercado de trabalho e da produção, a moradia digna e a infraestrutura urbana, em particular no cenário das mudanças climáticas.
No que se refere à análise socioespacial sobre as condições de saúde, mais especificamente sobre o cenário epidemiológico da Zika, Dengue e Chikungunya na cidade de Cuiabá, a evidência de que as mulheres Negras e os homens Negros serem os grupos que vivem em piores condições de moradia e saneamento básico, contribuem para consequências associadas às arboviroses, sendo os grupos mais afetado, representando mais de o dobro da proporção de casos registrados para Dengue e Zika, e o triplo para Chikungunya, se comparados às mulheres brancas e homens brancos.
A partir do reconhecimento do contexto socioespacial do território urbano cuiabano, com destaque para os quase 30 anos de regulamentação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Cuiabá – PDDU (1992) e os 15 da última revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá (2007), as análises do Projeto Amazônia Legal Urbana se aprofundam sobre os impactos de médio e longo prazo que as mudanças extremas do clima, alertando que esses poderão cada vez mais resultar em desastres humanos, diante das desigualdades e falta de investimento em políticas de adaptação na infraestrutura urbana.
Conforme aponta o estudo: “Os impactos das mudanças do clima têm determinantes raciais e de gênero, sendo que, em escala estadual, 23,49% da população urbana é negra e está em vulnerabilidade pelo não investimento público e privado em infraestrutura urbana, renda, trabalho e educação, diante do PDDU, atento à produção econômica e omisso no que se comprometeu, no que diz respeito à função social da cidade”.
Dentre os resultados obtidos pela equipe de pesquisa, destacam-se:
– As mudanças climáticas impactam as mulheres e seus direitos de forma mais aguda, sobretudo as mulheres pertencentes a grupos racialmente oprimidos;
– A maior vulnerabilidade da população Negra e Indígena é refletida nas taxas de incidência de arboviroses (Zika, Dengue e Chikungunya) e no perfil étnico-racial e de gênero dos casos de arboviroses, que acendem um alerta e evidenciam a necessidade da revisão do plano diretor urbano municipal da cidade e a elaboração do plano territorial de mudanças climáticas com ações de adaptação e resiliência às mudanças extremas do clima, considerando os desfechos em saúde e as desigualdades étnico-raciais e de gênero;
– A revisão do Plano Diretor de Cuiabá deverá avançar no sentido de garantir a Função Social da cidade para as pessoas Negras e Indígenas, grupos colocados sistematicamente às margens do bem-estar e da prosperidade social, pela normatização da segregação racial efetivada na última revisão do plano;
– A urbanização cuiabana é reveladora do processo de gestão pública e privada na escala do Estado de Mato Grosso, que gesta pela apropriação e exploração os bens naturais nos biomas Cerrado, Pantanal e Amazônia, com a política de crescimento econômico agroindustrial.
Sobre as Pesquisadoras líderes do estudo
Andrêa Ferreira – Epidemiologista. Pós-Doc (CIDACS/Fiocruz/Bahia). Doutora em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestra em Nutrição, Alimentos e Saúde e Nutricionista pela Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades.
Emanuelle Góes – Epidemiologista. Pós-Doc (CIDACS/Fiocruz/Bahia). Fellow do Ubuntu Center on Racism, Global Movements & Population Health Equity (Drexel University Dornsife School of Public Health/EUA). Doutora em Saúde Pública com concentração em Epidemiologia (ISC/UFBA) defendendo a tese sobre Racismo e Aborto. Realizou Estágio Sanduíche na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto). Mestra em Enfermagem pela Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades.
Diosmar Filho – Geógrafo. Doutorando em Geografia na Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisador Associado a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN). Pesquisador IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades.
Este é o sétimo estudo da pesquisa “Amazônia Legal Urbana” desde outubro de 2020, foram pesquisadas as cidades de Belém (no Pará), seguindo por Macapá (Amapá), Manaus (Amazonas), São Luís (Maranhão), Rio Branco (Acre). Todas as pesquisas estão disponíveis em Paper para download na seção “Publicações” e busca contribuir com revisão/elaboração de Planos Diretor Urbano e políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas no espaço urbano da Amazônia Legal.