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Países africanos são os mais atingidos por mudanças climáticas

 

De acordo com especialista de Cabo Verde, séculos de colonização e exploração a que é submetido o continente africano é um dos fatores para o agravo das consequências sobre a população dentro do cenário de mudanças climáticas

 

Os efeitos das mudanças climáticas já são sentidos em toda a África. De acordo com o Índice de Vulnerabilidade à Mudança Climática de 2018, publicado pela consultoria de riscos globais Verisk Maplecroft, 67% das cidades africanas correm risco extremo com os impactos do aquecimento global. Entre as dez cidades mais vulneráveis a choques climáticos, oito são africanas.

Segundo Andrêa Ferreira, cabo-verdiana, doutora em saúde pública e pesquisadora da IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades, quando se desenvolve estratégias para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas no continente africano, geralmente se pensa em condições atmosféricas e florestais, mas não na contribuição de melhoria da condição de vida das populações vulneráveis.

“Em diversos países nós temos várias iniciativas acontecendo, porém grande parte delas ainda está se pensando em mudanças climáticas apenas do ponto de vista das florestas, da redução da diversidade da fauna e da flora, e não pensando na dimensão da humanidade”, complementa.

De acordo com Andrêa, os séculos de colonização e exploração a que é submetido o continente africano é um dos fatores para o agravo das consequências sobre a população dentro do cenário de mudanças climáticas.

“Nós precisamos reduzir na verdade a vulnerabilidade nas quais nós estamos secularmente expostos, porque só assim conseguiremos prover essa dimensão da humanidade nas mudanças climáticas”, explica a pesquisadora.

Segundo Diosmar Filho, doutorando em Geografia na Universidade Federal Fluminense (UFF) e também pesquisador da IYALETA, o caminho para isso está em cuidar das pessoas, fazer projetos urbanos que combatam as segregações e que dê qualidade de vida, como moradias e saneamento básico.

Consequências sobre o continente africano

De acordo com Andrêa Ferreira, as mudanças climáticas geram um impacto na saúde e na vida das pessoas que vivem em países do continente africanos e que já estão morrendo de fome, seca e falta de acesso a condições de moradia e de saúde, por exemplo. Essas mudanças têm gerado uma intensificação nos deslocamentos de grupos étnicos que são obrigados a se refugiarem em outros locais.

Essas migrações podem aumentar o número de conflitos entre os grupos étnicos, com impactos, principalmente, sobre mulheres, crianças e idosos. “Nós vivemos em situações onde as pessoas e o Estado, não conseguem dar conta não só dos impactos dessas mudanças climáticas, mas também não conseguem prover mudança de realidade para enfrentar esses efeitos adversos”, explica.

Patrimônios climáticos extremos também estão ameaçados por esses impactos. Em uma publicação científica de 2020, pesquisadores dos Estados Unidos, Quênia e Reino Unido revelaram que, em um cenário de moderadas a altas emissões globais de carbono, partes significativas da costa africana serão inundadas até 2100. O assentamento suaíli mais bem preservado da África Oriental e que está na cidade velha de Lamu, no Quênia, é um dos locais que sofrem esse risco.

Considerando as particularidades entre os países, esses efeitos também podem ser sentidos de forma mais intensa em determinadas regiões. “O continente é muito diverso e é importante ter um olhar diverso sobre as desigualdades e efeitos das mudanças climáticas”, pontua Andrêa.

Em 2019, por exemplo, Moçambique foi atingido por dois ciclones consecutivos e os mais mortíferos registrados nas últimas décadas, acompanhado por inundações. O país já sofria as consequências da forte seca de 2015 e 2016.

Em Angola, a falta de chuva entre novembro de 2020 a janeiro de 2021 resultou na pior seca dos últimos 40 anos, segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA). Para fugir da fome, gerada pelos impactos na agricultura, milhares de pessoas buscaram refúgio em países vizinhos como a Namíbia. Em maio de 2021, seis milhões de angolanos, principalmente do sul do país, tinham alimentos insuficientes, segundo estimativa do PMA.

De acordo com Andrêa, em Cabo Verde, há um plano estratégico de redução dos efeitos das mudanças climáticas patrocinado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, em inglês) e pela União Europeia, mas em termos práticos e operacionais, o que se vê é pouco avanço na discussão. “Ainda é uma questão que tem sido debatida de forma incipiente e sempre sem levar em consideração esse recorte mais humanizado.

Ainda estamos muito aquém daquilo que podemos ou poderíamos fazer, principalmente em um país que sofre secas durante quase todo o período do ano e tem uma escassez de recursos hídricos”, completa a cabo-verdiana.

Responsabilidade dos países desenvolvidos nesse contexto

Segundo o pesquisador Diosmar Filho, não é correto se falar em estratégias de redução de emissão de carbono colocando todos os países como igualmente responsáveis por essas consequências. De acordo com ele, o continente africano é o que menos contribui diretamente com o problema e o que mais sofre os impactos.

“As mudanças climáticas não é uma dimensão do clima, é uma dimensão humana. E a gente precisa tornar ela uma dimensão humana, porque se a gente debate ela como uma dimensão do clima, a gente vai colocar todo mundo em grau de igualdade para resolver o problema”, complementa.

Entre os cinco países que mais emitiram gases de efeito estufa nos últimos 100 anos, de acordo com dados da Climate Watch, nenhum é africano. Andrêa Ferreira explica que a África sofre os efeitos deixados pelas grandes potências e que, quando contribui com o aquecimento da terra de alguma forma, é por conta da exploração que existe dentro do próprio continente por essas potências, que mudam o dia a dia das comunidades africanas.

“A lógica é pensar qual é a responsabilidade dessas potências para dar conta das mudanças climáticas. É preciso cobrar de quem realmente está contribuindo com essa aceleração das mudanças climáticas”, finaliza a doutora em saúde pública.

 


Fonte: [Alma Preta Jornalismo]