Questão de vida ou morte: na COP26, países mais vulneráveis ao clima exigem receber financiamento

Unicef/Sokhin
Apelo é dirigido aos países desenvolvidos, que prometeram no Acordo de Paris doar US$ 100 bilhões por ano para que as nações em desenvolvimento pudessem lidar com os efeitos da mudança climática; perdas e danos foram o tema dos encontros do dia em Glasgow.
Enchentes enormes, incêndios que causam destruição e aumento do nível do mar – além das inúmeras mortes causadas por esses fenômenos – são realidade para muitas nações. Vozes da linha de frente da mudança climática estiveram no centro das discussões desta segunda-feira na Conferência da ONU sobre Mudança Climática, COP26, que abriu a semana focando em “adaptação, perdas e danos”.
O principal pedido: que países desenvolvidos cumpram com a promessa de ajudar financeiramente as pequenas nações que já estão em risco de perder muito no combate à mudança climática.

Pnud/Silke von Brockhausen – Cinco ilhas ao redor de Tuvalu que desapareceram
O oitavo dia da COP26 começou com um poema recitado por uma ativista da Papua Nova Guiné, um país-ilha no sudoeste do Pacífico. Suas palavras ecoaram na sala de conferências da Zona Azul, enquanto lágrimas caíam pelo seu rosto:
“Nunca sabemos quando a onda virá para engolir as nossas casas. Nossas culturas, nossos idiomas e nossas tradições serão levadas pelo ocenao. Quando vocês dizem de 2030 até 2050, como vocês podem colocar prazos para daqui a nove ou 29 anos sendo que meu povo já provou que devemos agir agora e não perder mais tempo”, disse ela, explicando que o oceano que já gerou a vida do seu povo, agora se tornou um “algoz”.
Ela não estava sozinha. Dali a alguns metros, em outra sala, outra jovem, sobrevivente do super tufão Haiyan, que atingiu as Filipinas há exatamente oito anos, também levou uma mensagem rígida ao mundo:
“Eles pararam de contar quando o número de mortos atingiu 6 mil, mas ainda existiam 1,6 mil corpos perdidos. Hoje, estamos gritando por justiça para nossos amigos e famílias que perderam as vidas devido aos desastres climáticos. Os jovens das Filipinas estão lutando por um futuro sem a ansiedade e o medo de que outro Haiyan venha de repente para ameaçar as vidas e os sonhos dos nossos entes queridos. Não merecemos viver com medo”, disse ela.
Para ela, a COP26 deveria ser uma oportunidade para defender a agenda de perdas e de danos. “Hoje, exatamente oito anos depois que o Haiyan mudou completamente a vida dos filipinos, os impactos da mudança climática só estão piorando. Eles não deveriam esperar por justiça”, disse ela, acrescentando que as empresas e outros emissores de carbonos deveriam ser responsabilizados.
A luta por “perdas e danos”
O termo “perdas e danos” é utilizado na Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança Climática, Unfccc, para se referir aos danos causados pelo homem na mudança climática. Mas a resposta apropriada à questão tem sido disputada desde a adoção da Convenção.
Estabelecer a responsabilidade e a compensação para perdas e danos nas negociações tem sido há muito tempo uma meta dos países vulneráveis e em desenvolvimento da Aliança para Pequenos Países-Ilha e o Grupo dos Países Menos Desenvolvidos. Mas os países desenvolvidos tem, há muitos anos, resistido aos pedidos por uma discussão apropriada sobre o assunto.
“Seis anos depois do Acordo de Paris, que tem um artigo específico sobre perdas e danos, os países pequenos ainda precisam lutar para ter um item na agenda desta COP”, disse um representante da ONG Climate International durante uma coletiva de imprensa.
Outro grande tema do dia: a adaptação geralmente tem uma questão financeira envolvida. Líderes dos Pequenos Países-Ilha em Desenvolvimento deixaram claro que os compromissos da última semana sobre florestas, agricultura, financiamento privado e outras questões não foram suficientes.
“Damos as boas vindas aos novos compromissos feitos na semana passada, mas com todo o respeito e para ser honesto, não consigo ficar empolgado. Estão faltando vários compromissos, enquanto outros apareceram aqui com compromissos insuficientes que apenas colocaram lombadas na estrada que leva ao lado errado do aquecimento de 1.5 graus”, afirmou o primeiro-ministro do Fiji, Frank Bainimarama.
A promessa quebrada
O anúncio da última semana de que a promessa de repassar US$ 100 bilhões por ano para iniciativas de financiamento climático nos países em desenvolvimento será atrasada foi o “grande elefante na sala” nesta segunda-feira, mas o problema foi reconhecido por vários líderes.
“As nações desenvolvidas estão nos desapontando, são elas que têm os recursos e a tecnologia para fazer a diferença e ainda assim deixaram fora da mesa o potencial para energia limpa e adaptação, ao falhar com o compromisso dos US$ 100 bilhões. Nós, os mais vulneráveis, fomos avisados para engolir isso e esperar até 2023”, acrescentou Bainimarama.
O primeiro-ministro do Fiji lembrou que desde o Acordo de Paris, 13 ciclones já atingiram o seu país, e por isso, não se pode mais atrasar a construção da resiliência, e para isso, “é muito claro e simples”: o dinheiro é necessário.
“Nem eu nem nenhum fijiano estamos preparados para fazer o necessário para garantir nossa cadeia alimentar e garantir que podemos crescer a economia da nossa ilha. Temos as soluções e temos a nossa experiência”, ele afirmou, dizendo às delegações em Glasgow que Fiji há ofereceu refúgio às populações das ilhas de Kiribati e Tuvalu, se as suas casas desaparecerem antes.
O ministro do Meio Ambiente de Granada afirmou que as promessas da semana passada precisam ser traduzidas em ações significativas no terreno.
“A mudança climática para nós das ilhas não é uma coisa abstrata. É real e vivemos isso todos os dias. Se a mitigação é uma maratona para nos manter na meta de 1,5 grau, a adaptação é o impulso enquanto lutamos com os impactos e a urgência em proteger a vida e os meios de subsistência”, ele destacou.
Enquanto isso, a enviada das Ilhas Marshall para o Clima, Kathy Jetñil-Kijiner, afirma que a ciência está começando a demonstrar que as medidas de adaptação vão custar muito mais do que US$ 100 bilhões por ano.
“Estamos considerando bilhões de dólares para implementar nossos planos nacionais de adaptação. Recebemos estudos preliminares que nos mostram estimativas de dezenas de bilhões para recuperação de terras, elevação de partes das nossas terras e migração interna. Quando negociamos uma nova meta de financiamento até 2025, ela deve ser baseada na ciência. O primeiro alvo era uma estimativa”, explicou.

Unfccc/Kiara Worth – Barack Obama discursou na plenária da COP26 e se comprometeu a promover ações climáticas como cidadão e deixou claro que manter as temperaturas abaixo de 1,5°C vai “ser difícil”