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O que é racismo ambiental e como contribui para a retirada de direitos no Brasil

Invasão aos territórios, contaminação do solo e desmatamento são algumas das várias violações aos direitos humanos geradas pela discriminação racial que impacta, principalmente, comunidades tradicionais, como as quilombolas e indígenas

 

Por trás da seleção de uma comunidade específica para o recebimento de uma instalação de indústrias poluidoras, depósito de rejeitos tóxicos ou, por exemplo, a não garantia de direitos fundamentais como o acesso à água tratada e ao saneamento básico, existe uma lógica racista chamada de racismo ambiental.

Trata-se de uma discriminação que alimenta a lógica de instituições públicas e privadas na seleção de determinadas áreas e comunidades para serem impactadas por uma utilização exploratória de seus territórios. Esse racismo também está na falta da elaboração de políticas públicas e ambientais e se revela na ausência de aplicação de leis e regulamentos que protejam populações em vulnerabilidade, além de medidas de conservação ambiental que desconsideram o manejo sustentável e ancestral dos povos tradicionais, que são os principais responsáveis pela manutenção da biodiversidade.

 

A população alvo é sempre a mesma

A expressão racismo ambiental foi utilizada pela primeira vez em 1981 pelo ativista por direitos civis e líder afro-americano Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr., que também foi assistente de Martin Luther King Jr. nos Estados Unidos. O contexto de surgimento do termo esteve atrelado a investigações e pesquisas que Benjamin fez sobre a concentração de atividades poluentes em áreas com maior presença de pessoas negras.

As populações mais impactadas pelo racismo ambiental são quilombolas, povos pesqueiros, indígenas, ribeirinhos, periféricos, pessoas negras e demais grupos e comunidades tradicionais. São povos constantemente ameaçados pelo risco da contaminação, do desabamento, do rompimento de barragens, das invasões do agronegócio e pelos efeitos das mudanças climáticas, por exemplo.

“Na cidade o racismo ambiental se manifesta na segregação espacial da população negra. São a maioria que sofre com a ausência de infraestrutura, são lugares de ausência de serviços de segurança ambiental diante da crise climática que as impacta pelas grandes enchentes, resultantes do aumento das chuvas e dos deslizamento das moradias nos morros e encostas”, comenta Diosmar Filho, geógrafo e doutorando em Geografia na UFF (Universidade Federal Fluminense).

Esse tipo de racismo é vivenciado diariamente por muitos povos do Brasil. Existem três tipificações de como ele se manifesta nos territórios de comunidades tradicionais como quilombolas e indígenas: desumanização das comunidades, danos ao desenvolvimento sustentável e marcos da injustiça ambiental.

Desumanização das comunidades

Quilombolas de Alcântara/MA defendem seus territórios ameaçados por expansões da base de Alcântara, considerada uma das mais bem localizadas do mundo | Foto: Arquivo pessoal – Fátima Diniz

Há discriminação racial e ambiental quando os povos tradicionais não são consultados em decisões que os afetam diretamente. As comunidades quilombolas da cidade de Alcântara, no Maranhão, por exemplo, vivenciam uma realidade de muita resistência na defesa pela posse de seu território, constantemente ameaçado pelos acordos do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), empreendimento vinculado à Força Área Brasileira, e que tem projetos de expansão de operações para lançamento de foguetes.

Segundo Fátima Diniz, uma das coordenadoras do Movimento das Mulheres de Alcântara (MOMTRA), no estado do Maranhão, um decreto de 1979 do governador João Castelo pedia a desapropriação de 50% das terras do município para a construção do Centro Espacial, considerando que não existiam pessoas ali e que a área era desocupada.

“A base espacial é uma das provas gritantes do racismo no território quilombola de Alcântara. Foi implantado sem nenhuma discussão com as comunidades, como se não existissem pessoas, quando, na verdade, existe aqui em Alcântara as comunidades quilombolas que são centenárias”, relata Fátima.

De acordo com a coordenadora, na época da desapropriação, não era obrigatória a consulta à comunidade, mas mesmo depois de o governo brasileiro assinar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta prévia aos quilombolas para empreendimentos em suas áreas, eles ainda não foram consultados em outras decisões de uso de suas terras.

Fátima comenta que, em 1985, 23 comunidades foram realocadas para sete agrovilas sem direito a praticamente nada a não ser uma casa de alvenaria, fruto da luta dos quilombolas dentro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. “Eram comunidades que moravam na beira dos igarapés, na beira da praia, foram removidas para um lugar ermo, com a terra muito ruim para agricultura, muito seca. Até para ir para as áreas de pesca tinham que ser controladas”, complementa.

Danos ao desenvolvimento sustentável dos povos tradicionais

Território Quilombola de Volta Miúda enfrenta batalhas contra empresa de celulose na defesa de suas terras | Foto: Arquivo pessoal – Celio Leocádio

O Território Quilombola de Volta Miúda, no município de Caravelas, no Extremo Sul da Bahia, também luta pela defesa de suas terras, utilizadas por uma empresa de celulose. Segundo Celio Leocádio, atual presidente da Associação Quilombola de Volta Miúda (APRVM), mesmo a comunidade reconhecendo onde eram as terras de suas ancestralidades, o agronegócio continua a se apropriar dessas áreas sem oferecer auxílio nenhum à comunidade e provocando conflitos com os povos tradicionais.

“Hoje, nós não temos mais acesso ao bem natural. Antes a gente plantava as nossas plantações através das estações do ano e, hoje, não tem mais isso. As pessoas não têm uma gota de água para você fazer uma espécie de irrigação para a produção. As pessoas tinham seus córregos, represas e hoje você chega lá não tem mais. Nós temos hoje uma casa de beneficiamento do mel que está desativada por não ter mais, em volta dela, abelhas, porque a mortandade da abelha foi muito grande com a aplicação dos herbicidas”, relata Celio.

Com a pandemia da Covid-19, os problemas aumentaram já que as dificuldades de acesso a serviços públicos básicos como, por exemplo, postos de saúde, está longe, nos grandes centros, ou é escasso. “A distribuição dos serviços de saúde público e privado de média e alta complexidade nas cidades sempre foram centralizados nas regiões de maioria populacional branca, com maior escolaridade e renda mensal. São dados do Censo 2010 do IBGE para as cidades de Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Manaus e Macapá”, explica o geógrafo Diosmar.

A falta de demarcação e titulação das terras agravam as violências e as discriminações com as populações em vulnerabilidade, principalmente durante as ações de enfrentamento à Covid-19. O Território Quilombola de Volta Miúda é um dos que aguardam a demarcação de seu território.

De acordo com Diosmar, “as comunidades quilombolas foram impactadas pelo grande atraso da regularização fundiária dos territórios, o que as deixou fora dos processos de pensar políticas públicas como grupo prioritário no rural e nas cidades onde tem comunidades certificadas, da mesma forma que aquelas em zonas mais remotas no rural”.

Marcos da injustiça ambiental

A Aldeia Renascer (Ubatuba/SP) fez a retomada de suas terras há 22 anos e, desde então, busca a demarcação delas | Foto: Arquivo pessoal – Fabiano de Lima

Os povos indígenas também enfrentam constantemente a violação ao direito de seus territórios. Nos últimos meses, indígenas de todo o país têm se movimentado contra a tese do marco temporal, também uma forma de racismo ambiental que busca negar a posse dos territórios ancestrais a seus povos de origem.

O líder indígena Fabiano de Lima Silva (Awa Mintan), da Aldeia Renascer (Ywyty Guaçu), em Ubatuba, litoral de São Paulo, conta que sua comunidade fez a retomada do território há 22 anos e, desde então, busca a demarcação de suas terras. “Ubatuba é uma área turística, então o histórico aqui é que era tirado muito minério, muita areia e terra preta, porque a costa do mar tem muitos condomínios. O pessoal tirava muita terra preta para fazer jardim, areia para as construções. A gente, em 22 anos de retomada, foi reflorestando tudo. Hoje temos a maior agrofloresta em comunidades indígenas do Estado de São Paulo. É reconhecida pela Funai [Fundação Nacional do Índio] e tudo”, conta.

De acordo com Fabiano, a aldeia vem sofrendo muito com invasões de suas terras no atual governo. “Até, recentemente, denunciamos nacional e também mundialmente, pela Apib, a Articulação dos Povos Indígenas, sobre a invasão do nosso território, onde é triste de ser ver o desmatamento na beirada dos rios, pessoas invadindo o território e jogando entulho, como lixos, aqueles pedações de condomínio. É uma coisa triste de se ver”, finaliza.


[Fonte: Alma Preta Jornalismo]